quarta-feira, 28 de outubro de 2015






No cruzamento sob o sol das duas, um casal de mendigos discute para deleite de um terceiro que assiste ao lado. Os cabelos louros crespos de imundície balançam enquanto ela esmurra o companheiro. Cansado dos sopapos, ele a segura pelos pulsos, banguelice à mostra, até que a moça desiste e se afasta. Encostada no mastro de uma placa de trânsito, ela escorre até o chão às lágrimas e soluços. No brilho úmido da pele rachada, um lampejo de lucidez reflete uma vida que já não é mais.
Atrás, os outros dois riem um riso ausente.
O sinal abre.
Acelero.
E torço pra que bem rápido ela consiga uma pedra.






quinta-feira, 22 de outubro de 2015






Com a mansidão de quem faz a cama, o coveiro põe o relógio para despertar e sai para cavar o próprio túmulo, certo de que a vida é apenas o sonho que os mortos têm enquanto dormem.






terça-feira, 13 de outubro de 2015






Domingo de manhã. Dona Alda ora

"aimeudeusdocéu
aijesus
jesuscristo
aiminhanossasenhora
aiminhamãe
cristo-o-ohh
aimeude-ê-UUUU-ssss"

Num cantinho mal iluminado, a roupa de ver deus jaz evangelicamente dobrada para o pós-culto no templo de paredes e teto espelhados.












Pobre velho, angustiado e insone, arrasta-se até a máquina de escrever.
A cura é crônica.