quarta-feira, 26 de agosto de 2015
O carro desligado no pare-siga da BR 356, na Serra de São Geraldo, Dalton e Marina observam o bruto Caterpillar aplainar o terreno, vidros fechados pra não respirarem o ar poeirento. Quando em vez olham pro banco traseiro, onde o neto dorme agarrado a um cachorro amarelo de pelúcia. E cada ressonar do menino enche-os da certeza de que amam tudo aquilo que construíram juntos ao longo dos últimos 37 anos.
Menos um ao outro.
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Primeiro ouviu o choro.
Depois viu o montinho de pano iluminado pela lua no barranco.
Apeou, recolheu o bebê e a muito custo tornou a montar o cavalo que refugava. Do mato veio a voz:
- Por que não chupa ele?
O cavalo estacado não movia músculo. Correu os olhos pela mata fechada ribanceira acima. Não viu nada.
- Por que não chupa ele? -, a voz insistiu. O cavalo empacado. E, com voz areenta, respondeu o bebê:
- Porque ele comeu alho.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Agora essa. Com tanta coisa pra fazer...
Ronaldo decidiu primeiro ir passear com o cachorro, que estava doido pra cagar. Voltou em casa com o bicho, botou água e ração e foi ao banco pagar a prestação do carro. Como já estava na rua, aproveitou pra cortar o cabelo. Passou no cartório e fez o reconhecimento de firma no xerox do diploma, porque o prazo pra inscrição no concurso do Banco do Brasil se esgotaria na sexta-feira. Aí deu um pulo na lavanderia onde deixara o blaser mijado pelo cachorro na semana anterior. Não ficou uma manchinha, graças a deus. Tudo resolvido, ligou pro Samu a caminho de casa.
Foi ele sentar no sofá e tocou a campainha. Os enfermeiros tomaram o pulso, mas nem precisava: estirada no tapete da sala, olho arregalado e boca aberta, a mãe jazia dura e gelada.
terça-feira, 11 de agosto de 2015
Gabriela acordou cedo e colocou a mesa do café do lado de fora. Estendeu a toalha, dispôs sua melhor porcelana, preparou um bule de chá verde e ordenou os talheres ao lado do prato vazio. Enquanto esperava o amanhecer, buscava um padrão no canto dos pássaros, só para matar o tempo. Imaginava ouvir uma frase de Etta James aqui, um agudo de Robert Plant ali. Isso a fazia rir em silêncio. Quando o sol enfim nasceu, colocou-o no prato e, corpo aprumado, serviu-se de uma generosa fatia. Queimou a língua.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Eu era capaz de desmontar e montar o fuzil Mauser em 27,7 segundos, de olhos vendados. As mãos ignoravam o óleo nas peças - cão, ferrolho, mola do percursor -, iam desmanchando o bicho com a ajuda de um toquinho de pau e, deitadas as partes, começavam o processo inverso, precisas, inabaláveis. Tinha certeza de que, se houvesse mais uns milhares iguais a mim, o Brasil estaria pronto para vencer qualquer exército inimigo, em nosso território ou fora dele. Contanto, claro, que as batalhas se dessem dentro de quartéis minimamente equipados, sobre tapetinhos devidamente limpos, com juízes imparciais e cronometragem de alta precisão, observado ainda o direito ao uso de recursos eletrônicos para eventuais desempates.
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