sexta-feira, 22 de novembro de 2013







Chegou da capineira cambaleando, cuspindo sangue no poeirão do terreiro.
O melado escorria das gengivas e começou a descer do nariz e do canto dos olhos. Uma tremedeira doida.
No hospital, oito injeções das bitelas, quatro delas no lombo.
Foi embora pra casa no mesmo dia.
No quartinho em que morava entre o chiqueiro e o paiol, um copo de pinga para aplacar a dor.
A jararaca não teve a mesma sorte: tá lá pendurada na cerca, a cabeça esmigalhada pelo mesmo pé que embestou de picar.






quarta-feira, 20 de novembro de 2013







Massageou.
Friccionou.
Pediu várias vezes que aplicassem nela a técnica da sucção.
Mas nem por um caralho o grelo virava pinto.







terça-feira, 19 de novembro de 2013






Por volta de 1985 éramos muito jovens, muito domesticados para brincar longe da beira-rio. Então os outros meninos é que vinham até nós jogar bola, empinar pipa, bater pique.
Na primeira vez que subimos o morro na companhia de um daqueles que moravam lá, um outro, surpreso, nos recepcionou de longe. 
Sem bola. 
Sem pipa. 
Sem pique.
- Tão longe de casa, heim.





 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013






- Há uma tensão entre nós dois, ele disse.
E ela, em irrepreensível análise morfológica, despindo o eufemismo covarde, na lata:
- Tem N sobrando no seu substantivo.







terça-feira, 12 de novembro de 2013






Francisco, preto, pobre, porteiro de garagem na Calle Piedras, fala português melhor que a maioria dos porteiros de garagem do Rio de Janeiro, torce pelo Peñarol (no Brasil é santista) e sabe tudo que rola na zona portuária. Onde ir e principalmente onde não ir depois que o sol se põe.
Alex, gay, pobre, host de um hotel boutique na Calle Piedras, não sabe onde ficam os museus da Ciudad Vieja nem de um lugar onde se possa ver uma banda de rock tocar, mesmo com o "Mapa turístico de la ciudad de Montevideo" na prateleira atrás de sua cabeça oca.






segunda-feira, 11 de novembro de 2013






Trajano dirige o carro do jornal.
Mas queria mesmo é ser presidente.
Se eleito fosse, mudaria o natal e o ano novo para o fim de junho.
E venderia a Amazônia para os Estados Unidos, levaria toda a população de lá para o Piauí e fundaria uma zona franca na caatinga para produzir guarda-chuvas.
E venderia tudo para os americanos.








sábado, 9 de novembro de 2013






Na certeza de que o ofendia, berrou ao mesmo tempo em que espatifava o cinzeiro - cheio - contra a porta que ele fechava atrás de si:
- ... e você tá parecendo um marinheiro com esse monte de tatuagem preta!!!!
Para ele, cabo reservista de segunda categoria nos cafundós de Minas Gerais, que só tinha visto o mar uma vez na vida durante uma semana santa em Piúma, não poderia haver ironia mais elogiosa.






terça-feira, 5 de novembro de 2013






Começou com um negócio de só poder namorar embaixo do chuveiro.
Depois garrou me tapar a boca, que era pra eu não falar aquelas coisas que de vez em quando escapole na hora do bem bão.
Aí quando falou que ia pro Paraná virar padre, eu nem assustei.
Agora, arrancar a pele inteirinha com palha de aço lá naquela lonjura... isso eu nem sonhava.
...
E aí, mantém o corte ou vamos ousar?