segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
Acordou e era sangue pra todo lado.
No lençol. Nos travesseiros.
Marcas de mãos ensanguentadas na cabeceira da cama.
Em seu peito.
Em sua barriga, suas coxas.
Em suas mãos, por baixo das unhas.
Corpo, só o seu. Ileso.
Se deu conta do gosto de sangue na boca e, pisando em garrafas vazias e camisinhas virgens, tropegou até o espelho.
A barba escarlate.
Amém.
Aquela pelo menos não ficaria grávida.
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
Tinho anda sete quilômetros todos os dias para ir e voltar do trabalho. Assim ele economiza o vale-transporte, que vende para a patroa da esposa, diarista, e faz um extra. Sentado no parque municipal nesse domingo raro, ele não entende as pessoas em seus tênis supercoloridos caminhando e suando em torno do lago sem chegar a lugar algum.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Gil e Flávia se conheceram numa terça e, na sexta, estavam serpenteando pela Serra do Rio do Rastro em cima de uma Yamaha XT 225, e depois Passo Fundo, Santa Fé, Córdoba, Mendoza até alcançarem Valparaíso, parando para abastecer o tanque de 10 litros, trocar o óleo e alguma peça quebrada, dormindo em albergues, campings e pensões. Experimentaram uma felicidade tão absoluta que, pela primeira vez em suas jovens existências, tiveram medo de morrer. Então decidiram fazer o caminho de volta de ônibus e até a presente data não se tem notícia de que tenham subido novamente em uma moto.
...
A XT permanece estacionada em um cantinho do Mirador Esperanza, um monumento de ferrugem e borracha que turista algum é capaz de compreender.
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
Era a mesma coisa todo ano há sabe-se lá quantos anos. Nos primeiros dias de aula da turma do pré-vestibular ele contava a história de quando, "assim na idade de vocês", foi levado pelos amigos a um prostíbulo. E que, abordado por uma das moças, desconfortável naquele ambiente pouco católico, disse a ela:
- Pra mim você não passa de uma latrina, uma privada onde os homens vão e fazem suas necessidades.
E então dizia o quanto ficara arrependido por ter sido tão duro, coitada dela. Contava isso em tom grave e, consternado, pedia licença e se retirava do púlpito em direção ao banheiro, onde batia uma punhetinha pra gozar a culpa.
domingo, 23 de novembro de 2014
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
Tonho cismou de fazer pra si um gibão, como os dos vaqueiros do nordeste, mas tinha que ser de couro de mula sem cabeça. Há mais de 30 anos ele campeia a região atrás do bicho, noite sim, noite não, sem jamais encontrar. Nem um rastro, nem um boato, nada. Mas ele persiste. O pessoal faz chacota, acha graça, principalmente os mais antigos, porque eles melhor que ninguém sabem que desde o dia em que instalaram o primeiro poste de luz no povoado nunca mais uma diaba daquela foi vista por estas bandas.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Não aguentou a emoção de enterrar o próprio marido, dizem. Foi só a ambulância cruzar os portões do cemitério em direção à rua e o coração explodiu, fulminante. É que a morte, ceifadora muito viva, sabe que toda necrópole não passa de uma plantação de cadáveres e, portanto, não há nada que lhe sirva para além daqueles muros.
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
terça-feira, 28 de outubro de 2014
sábado, 18 de outubro de 2014
Condenado à invisibilidade, as mãos eternamente imundas de graxa, Zelão seria imortalizado em preto e branco passasse por ali um Tião Salgado da vida, pois nunca houve olhar mais esfomeado que o do borracheiro a contemplar as ancas maravilhosas das moças que caminhavam no fim da tarde às margens do Paraibuna metidas em suas malhas de ginástica.
terça-feira, 14 de outubro de 2014
Na devassidão gastronômica que o impulsionava, levou-a para provar ostras selvagens na África do Sul, morcego à caçarola no Vietnã, tubarão fermentado na Islândia até que, extasiada, ela permitiu que ele lhe cortasse o dedo mindinho do pé direito e comesse grelhado com sal rosa do Himalaia e azeite do Algarve. Ela não lembra mais se doeu, mas hoje pragueja toda vez que o tempo esquenta e o pé lateja no caminho do serviço para casa.
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
No barquinho, Roldão Macário ajudou os mergulhadores no mapeamento do fundo da represa, alagada fazia vinte anos. Orientava-se pelo sol e pelos cumes secos dos morros. Lá a igreja, ali os currais, rua de cima, rua de baixo, tudo casa de peixe agora. Em retribuição e de farra, os bombeiros lhe deram uma aula de mergulho. "Um batismo", eles disseram, sem saber a extrema-unção: na primeira chance que teve, mão no equipamento, Roldão desceu 30 metros até o cemitério, se amarrou ao túmulo de Auxiliadora, apagou a lanterna e ficou lá na escuridão, esperando o ar acabar.
Que nunca fora homem de quebrar promessa.
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
E no décimo terceiro bilionésimo dia, Deus arrancou todas as folhas das árvores que restaram sobre a Terra, enrolou-as em nuvens tóxicas, acendeu no sol e ficou lá pitando, esperando o pessoal acabar de se devorar. Não com pesar, tampouco regozijo, mas antes preguiça: pois era domingo, e na segunda ele iria começar tudo de novo.
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
Encontraram-se pela primeira vez em 20 anos no estacionamento do Pão de Açúcar da Santo Amaro. Ele professor <na cidade para um simpósio>, casado, duas filhas. Ela advogada <trabalhista é um saco>, divorciada, dois filhos, um buldogue francês. Falaram por 9 minutos, despediram-se quase afetuosamente, viraram as costas e foram cada um continuar a viver o avesso dos seus sonhos.
quarta-feira, 3 de setembro de 2014
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
No furor do camarim apertado, fumaça ardendo os olhos, gargalhadas estalando, copos tilintando, o baterista matusquela confidencia ao cantor, companheiro calvo balofo de 20 anos de palcos e roubadas.
- Prefiro isso aqui, sabe? Que nem sexo. Prefiro as preliminares.
- Eu também. E um cigarrinho depois.
terça-feira, 19 de agosto de 2014
O velho carregava duas pedras de tamanho similar, uma em cada mão, as pernas fortes e tortas e determinadas na caminhada matinal.
Na volta seguinte não o vi mais na pista de saibro, apenas o boné, boiando no lago abaixo da ponte.
(ali tinha alguma coisa, invisível, mais pesada que as rochas)
Estiquei um galho de árvore e puxei o boné.
Meio largo na minha cabeça.
Mas no meu pai serviria bem.
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Das quatro que dividiam república na Avenida Rio Branco
Cibele engravidou no primeiro ano de faculdade, trancou, casou, voltou e agora é repórter editora fotógrafa diagramadora em um jornal semanal de Ubá, MG.
Tati repetiu cálculo III quatro vezes, mas se formou e ilumina minas de carvão em Candiota, RS.
Ana Paula é psicóloga no papel, mora com os pais e ganha a vida dando aulas de inglês no CCAA em Juiz de Fora, MG.
Carla se casou com o herdeiro de uma monstruosa fábrica de papel, passou as últimas férias (do marido) entre a Côte D’Azur, a Córsega e a Sardenha, e para seu maior talento não há diploma que faça jus.
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
quarta-feira, 30 de julho de 2014
quarta-feira, 23 de julho de 2014
A água quente lhe ardeu os joelhos, e só então ela sentiu quanto os havia ralado no tapete de sisal. Assaltada por um sorriso adolescente, pensou em vestir uma saia que deixasse as pernas cinquentenárias um pouco à mostra, exibir os hematomas como troféus na redação do jornal.
Mas logo desistiu. Não era necessário.
No vapor espesso do chuveiro, divisava enfim a ressurreição da carne.
quarta-feira, 16 de julho de 2014
Quando terminamos com o cabo, não havia sobrado muito do rosto baby johnson sob o capacete azul. Mas a mãe ainda o reconheceria na volta para casa. Tanta sorte não teve a menina que ele retalhara a baioneta depois de estuprá-la num casebre nas cercanias de Bailundo.
Como se sabe, na guerra nem sempre há mães para proteger os filhos.
E menos ainda para reconhecer o que resta de seus corpos.
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Então deus colocou o copo de lado, passou giz
na ponta do dedo, apontou-lhe e disse:
- Irão a ti
as devassas
as cocainômanas
as frígidas
as loucas
as adúlteras
as que não sabem cantar
as tarja-preta
E resignado ele as cuidou, encheu-as de
carinho e cobriu seus seios pequenos e duros e flácidos e fartos e siliconados
e estriados e perfeitos de esperma. Fez isso e tantas cousas boas quanto pôde
ao custo de sua própria liberdade até o dia em que foi alforriado de seu dever.
Mas aí a vida já havia ido embora e era
aquilo mesmo.quarta-feira, 2 de julho de 2014
Nos bons tempos em que enfrentava o Devorador de Mundos, o Homem Elástico jamais imaginara que sua inigualável expertise com o conceito de resiliência - a única coisa que sobrou do seu poder, agora extinto pela idade avançada - o levaria a terminar os dias ali, como professor convidado do curso de filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora e homem mais triste do mundo.
quinta-feira, 19 de junho de 2014
quarta-feira, 18 de junho de 2014
terça-feira, 10 de junho de 2014
quarta-feira, 4 de junho de 2014
segunda-feira, 2 de junho de 2014
quarta-feira, 28 de maio de 2014
quarta-feira, 21 de maio de 2014
quarta-feira, 14 de maio de 2014
quarta-feira, 7 de maio de 2014
quarta-feira, 30 de abril de 2014
quarta-feira, 23 de abril de 2014
quarta-feira, 16 de abril de 2014
Quando chegaram ao meio do morro, sol cozinhando carnes dentro de fardas, o monitor foi o primeiro a pegar na enxada. E o primeiro a levar esporro.
- 100! Vem aqui! - berrou o sargento espumando pelo canto da boca.
Quando o rapaz chegou perto, só a braçadeira branca diferenciando-o do resto do pelotão, o superior sussurrou enfurecido:
- Que porra é essa que ocê tá fazendo, caralho?!
- Uai, sargento, é pra roçar o pas
- Roçar é o caralho, porra! Você é o monitor dessa merda! Tem que dar exemplo! Mostrar quem tá no comando!
- Mas era o que eu ia faz
- Porra nenhuma!
- Então como é qu
- Larga essa merda dessa enxada.
Vai pra baixo da árvore.
E vigia.
quarta-feira, 9 de abril de 2014
quarta-feira, 2 de abril de 2014
terça-feira, 1 de abril de 2014
quarta-feira, 26 de março de 2014
quinta-feira, 20 de março de 2014
terça-feira, 18 de março de 2014
sentado na escadinha que dava para a rua, camisa aberta, portão aberto, olhos abertos por cima dos óculos de brechó, fabricio lia um leminski. entre os dedos ensanguentados, um cigarro que eventualmente levava à boca, a cinza caindo sobre o pé enchinelado. quando a polícia chegou, o corpo da mãe ainda estava quente lá na sala. sentaram a mamona dentro do camburão, sem dó, mas ele não deu um pio. e nem na cadeia aceitou raspar - pelo menos aparar, meu filho - o bigodão responsa.
quarta-feira, 12 de março de 2014
quarta-feira, 5 de março de 2014
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
Largado no meio da estrada de terra entre Barroso e Dores de Campos, as mãos amarradas aos pés, ele lembrou que no vidro traseiro do Escort tinha um adesivo Deus é fiel.
Desandou a rezar tudo que é novena que lembrava, mas quando o fogo começou a se alastrar e o porta-malas virou um inferno, Deus não desceu até lá.
Problema de jurisdição, talvez.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Quando vim pra São Paulo, aos 15, pega num grotão na serra de Divinésia por um homem de família, foi pra ralar o bucho no tanque e no fogão em troca de um prato de comida e uma cama no quartinho dos fundos, sem carteira nem salário.
Mas isso foi há muito tempo.
Hoje são os homens de família que frequentam minha casa.
E minha casa tem muitas moradas.
E aqui eu boto o preço que quiser.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
Primeiro de janeiro.
Hoje foi um daqueles raros dias em que nos permitem caminhar de mãos dadas.
E andamos pelos jardins.
E sentamos em um banco e eu deitei em seu colo e ela me fez cafuné e eu lhe cantei uma canção e o sol da manhã não nos castigou.
Acordamos cedo porque dormimos cedo: é que aqui no hospício, mesmo com todo mundo vestido de branco, não nos deixam comemorar ano novo.
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