quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
Maristela
terça, 11:37
Tô livre hoje, vem aqui.
Tiago então aproveita a hora do almoço para ir à casa da moça, onde trepam no sofá da sala. No retorno para o serviço, barriga vazia, passa na padaria, pega uma coxinha e um caçulinha e lancha enquanto dirige. De volta à sua mesa no fundo da financeira, pau ainda latejando dentro das calças, liga para o ramal do colega na baia ao lado:
- Sabe quem eu acabei de comer?
E, aí sim, finalmente goza.
segunda-feira, 23 de novembro de 2015
Ali convidou a rapaziada pra beber em sua casa naquela tarde. Lá pelas tantas, chapado de soberba e arak, teve um arroubo exibicionista e decidiu revelar um segredo guardado pela família há séculos. Assim, baseado apertadinho entre os dedos, flutuou diante da plateia incrédula em seu tapete mágico. Esquecera-se, porém, da sujeira varrida para baixo da miraculosa alfombra ao longo de todos aqueles anos, e a visão de tanta imundície deixou os presentes bastante constrangidos.
segunda-feira, 16 de novembro de 2015
- Quem era, amor? - gritou Melissa da cama.
- Testemunha de Jeová. - respondeu Tadeu a caminho do quarto.
- E aí?
- E aí que eu abri a porta e tinha duas mulheres e elas ficaram me olhando sem falar nada, meio espantadas, sabe? E foram embora correndo.
- Por que será? - perguntou Melissa antes de abocanhar o espantalho ainda duro e lustroso de saliva.
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
Para cortar caminho até a igreja, Dona Eulália, professora matrona da escola da vila, passa pelo cemitério. Leomir preferiria ficar sem os cartuchos da coroação a pegar o atalho. Mas ela insiste, puxando o sobrinho pela mão, carrapichos a salpicar as anáguas. Metida a intelectual, leciona sobre os cadáveres:
- Anda, menino! Mortos não pensam, logo não existem.
E Leomir, como se não bastasse o assombro das catacumbas, agora teme a tia que lhe descarta os medos. "Velha doida."
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
No cruzamento sob o sol das duas, um casal de mendigos discute para deleite de um terceiro que assiste ao lado. Os cabelos louros crespos de imundície balançam enquanto ela esmurra o companheiro. Cansado dos sopapos, ele a segura pelos pulsos, banguelice à mostra, até que a moça desiste e se afasta. Encostada no mastro de uma placa de trânsito, ela escorre até o chão às lágrimas e soluços. No brilho úmido da pele rachada, um lampejo de lucidez reflete uma vida que já não é mais.
Atrás, os outros dois riem um riso ausente.
O sinal abre.
Acelero.
E torço pra que bem rápido ela consiga uma pedra.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
terça-feira, 13 de outubro de 2015
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
Luis tinha 15 anos quando sepultou o irmão mais velho, com quem dividiu o beliche a vida toda. Não fosse bastante, teve de assessorar a mãe em seu definhamento, carcomida pela tristeza até ir ela própria para a cova. Ele tinha 17 então. Anos depois enterrou a irmã mais nova e viu o pai, garrafa a garrafa, segui-la terra abaixo. Com a herança que lhe coube, Luis cultiva hobbies como pendurar o corpo em ganchos de aço, espetar piercings e deixar-se tatuar com agulhas de bambu em regiões tão sensíveis que fariam um sadhu estremecer. Tudo para encontrar na carne dor intensa o bastante para dissipar aquela que lhe aflige a alma.
Até o momento, sem sucesso.
quarta-feira, 23 de setembro de 2015
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
Entraram na
cerração na altura de Bom Jardim de Minas.
- Tá
demorando muito esse trevo. Cê não passou não?
- Você viu
alguma placa, por acaso?
- Não, mas
- Então me
deixa dirigir e vai jogar Candy Crush.
- Grosso.
- Histérica.
- Ignorante.
- Mimada.
Porquanto
não sentiam fome nem sede, rodaram eternamente na neblina trocando afagos sem
alcançar qualquer estrada ou cidade. O inferno, descobririam, não fedia a
enxofre, mas a odorizante automotivo Floral Perfection 70g.
quarta-feira, 9 de setembro de 2015
terça-feira, 1 de setembro de 2015
Toda vez que Lúcio me chama (de novo e outra vez) pra correr na universidade eu lembro do tempo em que ele fumava dois maços de hollywood vermelho, três baseados, enchia a cara de cachaça, cantava Nelson Gonçalves a capella baixinho, recitava Augusto dos Anjos e depois dormia na mesa do bar. Vício por vício, aqueles eram menos assediantes.
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
O carro desligado no pare-siga da BR 356, na Serra de São Geraldo, Dalton e Marina observam o bruto Caterpillar aplainar o terreno, vidros fechados pra não respirarem o ar poeirento. Quando em vez olham pro banco traseiro, onde o neto dorme agarrado a um cachorro amarelo de pelúcia. E cada ressonar do menino enche-os da certeza de que amam tudo aquilo que construíram juntos ao longo dos últimos 37 anos.
Menos um ao outro.
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Primeiro ouviu o choro.
Depois viu o montinho de pano iluminado pela lua no barranco.
Apeou, recolheu o bebê e a muito custo tornou a montar o cavalo que refugava. Do mato veio a voz:
- Por que não chupa ele?
O cavalo estacado não movia músculo. Correu os olhos pela mata fechada ribanceira acima. Não viu nada.
- Por que não chupa ele? -, a voz insistiu. O cavalo empacado. E, com voz areenta, respondeu o bebê:
- Porque ele comeu alho.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Agora essa. Com tanta coisa pra fazer...
Ronaldo decidiu primeiro ir passear com o cachorro, que estava doido pra cagar. Voltou em casa com o bicho, botou água e ração e foi ao banco pagar a prestação do carro. Como já estava na rua, aproveitou pra cortar o cabelo. Passou no cartório e fez o reconhecimento de firma no xerox do diploma, porque o prazo pra inscrição no concurso do Banco do Brasil se esgotaria na sexta-feira. Aí deu um pulo na lavanderia onde deixara o blaser mijado pelo cachorro na semana anterior. Não ficou uma manchinha, graças a deus. Tudo resolvido, ligou pro Samu a caminho de casa.
Foi ele sentar no sofá e tocou a campainha. Os enfermeiros tomaram o pulso, mas nem precisava: estirada no tapete da sala, olho arregalado e boca aberta, a mãe jazia dura e gelada.
terça-feira, 11 de agosto de 2015
Gabriela acordou cedo e colocou a mesa do café do lado de fora. Estendeu a toalha, dispôs sua melhor porcelana, preparou um bule de chá verde e ordenou os talheres ao lado do prato vazio. Enquanto esperava o amanhecer, buscava um padrão no canto dos pássaros, só para matar o tempo. Imaginava ouvir uma frase de Etta James aqui, um agudo de Robert Plant ali. Isso a fazia rir em silêncio. Quando o sol enfim nasceu, colocou-o no prato e, corpo aprumado, serviu-se de uma generosa fatia. Queimou a língua.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Eu era capaz de desmontar e montar o fuzil Mauser em 27,7 segundos, de olhos vendados. As mãos ignoravam o óleo nas peças - cão, ferrolho, mola do percursor -, iam desmanchando o bicho com a ajuda de um toquinho de pau e, deitadas as partes, começavam o processo inverso, precisas, inabaláveis. Tinha certeza de que, se houvesse mais uns milhares iguais a mim, o Brasil estaria pronto para vencer qualquer exército inimigo, em nosso território ou fora dele. Contanto, claro, que as batalhas se dessem dentro de quartéis minimamente equipados, sobre tapetinhos devidamente limpos, com juízes imparciais e cronometragem de alta precisão, observado ainda o direito ao uso de recursos eletrônicos para eventuais desempates.
terça-feira, 28 de julho de 2015
Transformada em vaca por Zeus, Io agora vive das oferendas que as empregadas domésticas de Juiz de Fora lhe oferecem anualmente em uma cerimônia secreta nos pastos de Monte Verde. É quando ela se sente novamente querida e digna de devoção, honrada pelas broas de fubá, cumbucas de feijão tropeiro e panelas de frango ao molho pardo. E mais que as iguarias, ela se delicia com as pequenas fofocas que aquelas moças pardas trazem das cozinhas de madame nos condomínios da Cidade Alta.
W. Del Guiducci, depois de Neil Gaiman
terça-feira, 21 de julho de 2015
Lá do quarto eu ouvi a voz da minha vó. Meus irmãos dormiam pesadamente. Eu me levantei do colchão de capim e caminhei até a cozinha. Sentado no banco, meu pai que era preto tremia esbranquiçado, olhos parados, boca aberta, enquanto a vó lhe servia chá de melissa na caneca de esmalte branco - disso eu nunca me esqueci. O homem tremia igual vara verde. A vó me viu espreitando e, com um aceno de cabeça, ordenou que eu voltasse pra cama.
O que houve nós jamais soubemos, mas nunca mais o velho botou o nariz pra fora da porta depois de o sol se deitar.
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Zé Maria tem visto o pai todas as noites. Ele entra no quarto, senta-se ao lado do filho e coloca a mão sobre seu corpo, como fazia para acordá-lo quando criança. A diferença é que, naqueles tempos de escola, as unhas do Seu Altivo não estavam sujas de terra. O Zé nem liga mais, mas não vê a hora de chamar um padre pra benzer a casa. Está só esperando o cadáver do velho parar de feder sob as tulipas que plantou no quintal.
quarta-feira, 17 de junho de 2015
Diego recebeu Leila com espumante italiano, a cama coberta de pétalas de rosas negras.
Massive Attack flutuando na luz baixa de abajures rústicos e velas aromáticas, ele a despiu com veneração e amou-a lenta, intensa e longamente.
Tudo devidamente filmado com um celular escondido no guarda-roupas para posterior distribuição em grupos de whatsapp e eventual postagem no RedTube.
quarta-feira, 10 de junho de 2015
Dava até dó de ouvir o velho urrando lá no segundo andar do predinho, igual criança, derrubando as coisas e batendo nas paredes.
Aí parava.
E voltava a chorar de novo.
Alto.
Todo mundo já sabia, mas tem pai que é cego.
É que de tudo ele esperava do Rivelino, filho mais querido, zagueiro-capitão do time do bairro e braço direito do pai no fogão do botequim. De tudo.
De menos ser viado.
segunda-feira, 8 de junho de 2015
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Naquele tempo, Jesus entrou esbaforido na oficina de José.
- E aí, pai, tá pronto?
José largou o formão sobre a mesa, foi até uma prateleira e voltou com uma prancha feita de madeira de acácia e quatro rodinhas de carvalho do Monte Meron.
- Caraca, pai, você terminou! Que irado! Posso usar já?!
José consentiu com a cabeça e um sorriso, e Jesus saiu batido. Era feriado e ele desceu a ladeira que levava a Nazaré como um foguete sobre a pranchinha, levantando poeira no terreno árido, como se andasse naquilo a vida inteira. Da porta da oficina, José encheu-se de orgulho:
- Esse moleque é do caralho.
terça-feira, 26 de maio de 2015
quarta-feira, 20 de maio de 2015
O cartão comprado na papelaria do centro, oferecido com palavras de amor em letra cursiva, pendurado no pescoço do cachorro para escárnio de todos.
No último box do banheiro masculino, Felipe jura entre soluços seu último choro por uma mulher.
Do fundo de seus 9 anos incompletos, não sabe o quanto está errado.
quarta-feira, 13 de maio de 2015
A cada vez que o repórter perguntava por que o velho resolvera viver sozinho naquela choupana no alto da serra da Ilha do Cardoso, a 23 quilômetros da comunidade caiçara mais próxima, ele desconversava e voltava a falar da invasão de especuladores com a desculpa de pesquisar ruínas do período colonial. Só por isso aceitara dar entrevista. A perna do velho atada com corda de bananeira e gravetos de quaresmeira, o repórter:
- Quebrou?
- Num sei. Mas tem conserto.
- Tem?
- Fio, pra quase tudo nessa vida tem remendo. De menos pro que palavra quebra.
quarta-feira, 6 de maio de 2015
Carolina não via Vanderlei há trinta anos. Quando ele apareceu na porta de sua casa, beijou-a, entrou por baixo de seu vestido - a porta da rua aberta - e voltou para o carro para dirigir quatrocentos quilômetros de volta para sua mulher e filhos, ela entendeu que saudade é um troço que a gente pega, mata e come.
quarta-feira, 1 de abril de 2015
quarta-feira, 25 de março de 2015
quarta-feira, 18 de março de 2015
Bráulio montou um bar na sala de casa. E no Bar do Bráulio tinha tudo. Scotch de oito, dez e doze anos. E bourbon do Tennessee. E cerveja ele mandou trazer de 23 países diferentes. E tinha as nacionais também. E cachaça de Salinas, Parati, Viçosa e São João Nepomuceno. Então ele convidava o pessoal, e tinha jiló frito, linguiça de Rio Pomba, tapas, tacos e nachos. E a música também era boa naquele iCoisa dele.
No Bar do Bráulio tinha tudo que tem num bom bar de verdade.
Só não tinha o acaso.
quarta-feira, 11 de março de 2015
Josimar foi criado no estalo de folhas de fumo e na capina dos cafezais. Aos 8 juntou troco pra comprar chuteira. Nas peladas de domingo pelejava pra dar o laço no calçado, mas não conseguia da forma convencional. Então inventou seu próprio jeito de fazer a amarração. Hoje dono de uma loja que vende e aluga vestidos de noiva, é conhecido pelos mais perfeitos laços de cintura de toda a cidade. Às vezes, à noite, silencioso no quartinho dos fundos de casa, continua tentando aprender, em vão, o jeito tradicional de se atar um cadarço. É que não aceita que algumas pessoas nascem para aquilo, e outras, para isso.
terça-feira, 10 de março de 2015
terça-feira, 3 de março de 2015
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015
Terêncio e Sandra eram um tipo muito peculiar de vampiros. De tempos em tempos, trocavam de amigos, alimentando-se de sua juventude e do frescor das novidades que traziam. Sem jamais mudar seus próprios comportamentos, andaram com beatniks, hippies, punks, grunges e hipsters, mantendo relações sempre superficiais, de modo que pudessem descartar o antigo tão logo o novo acenasse da janela. Hoje, irremediavelmente velhos e desinteressantes, arrastando-se entre móveis de todas as épocas no palacete art decó no centro da cidade, sem ninguém mais para apartá-los, sorvem lentamente o amargor do inferno de suportar um ao outro pelo que lhes resta de eternidade.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
Quando Gustavo enfiou sua moto embaixo de um caminhão, levou três semanas para alguém começar a acreditar realmente que ele sobreviveria. Quatro meses depois ele saiu do hospital em uma cadeira de rodas, com pinos e parafusos cravados em todas as partes do corpo e armações de ferro expostas em suas coxas e canelas. Mais dois anos e ele já estava jogando futebol uma vez por semana. Até hoje Gustavo acha que não limparam direito sua testa quando o costuraram, então tem a impressão de que há pequenos cacos de vidro e micropedrinhas por baixo da pele. Nas primeiras noites após sair do coma, ele ouvia algo como uma porta rangendo dentro da cabeça, mas ninguém nunca soube precisar o porquê. O barulho continua, noite após noite, mas hoje ele nem reclama mais, pois sabe que é a Morte a rilhar os dentes de raiva por tê-lo deixado escapar.
sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
- San Pablo es una mierda -, repete sem parar no camarim o roqueiro chileno agarrado a um pacote de cocaína do tamanho de um coração de boi enquanto sua banda passa o som e a namorada é currada por dois seguranças negros enormes no banheiro do andar de cima antes que se abram as portas do mais hypado bar da Rua Augusta nesses tempos pouco gloriosos. O fato de Juan gostar mais de pó do que de sexo talvez tenha alguma relação com sua miséria, mas ele está sempre travado demais para ligar os pontos.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
Trêmulo e trôpego, arrastou-se da cama para o banheiro. Um zumbido surdo vibrando no cérebro. Os ouvidos mudos. A boca insensível. As mãos apoiadas na pia, olhou para o espelho.
E chorou.
Pois soube ali, na clareza vertiginosa de uma epifania carnalizada, que nunca mais, com ela ou qualquer outra, voltaria a sentir algo parecido com aquilo que acabara de experimentar no leito suarento do mais vagabundo dos motéis de beira de estrada de todo o continente americano.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Agora olha procê vê: sabe nem escrever o nome e fica aí de conversa nas rodinha, falando de sindicato e de direito e não sei mais o quê. Na hora da boia não senta a bunda no chão, é pra lá e pra cá, marmita esfria de tanto que balanga beiço, e é hora extra, adicional noturno, papapa, pipipi. Envenenando as outra, a desgraça.
Ah se fosse nos meus tempo.
Chegava ela no reio e aí eu queria ver.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
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